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ARTIGOS

A batida de asa da águia e o prenúncio de uma tormenta: perspectiva dos regionalismos após a primeira semana Trump
Roberto Teles

Imagem- Fonte: nydailynews

Segundo a teoria do caos e o mecanismo do efeito borboleta, uma simples batida de asas de uma borboleta em uma região pode gerar um tufão do outro lado do mundo. E se, ao invés do bater de asas de uma simples borboleta, fosse uma águia em pujante ímpeto e fúria? A tormenta em si não atingiria apenas uma região distante, mas possivelmente um revulsivo caos generalizado e catalizador de instabilidades. A partir da alegoria do efeito borboleta e do efeito que pequenas ações podem ter em seus outcomes finais é que realizaremos nosso balanço da tumultuada primeira semana do governo Trump nos Estados Unidos.

 

Como uma águia acima citada, Trump, logo em sua primeira semana, endereçou sua ira e lançar de decretos em vários pontos do livre-comércio global, começando pelo estratégico Tratado Trans-Pacífico, assinado na administração Obama por via também de mecanismos de decreto. Cumprindo uma promessa de campanha, o atual presidente dos EUA deu fim a um dos maiores acordos comerciais do globo, que envolveria grandes economia americanas e asiáticas, a fim de trazer maior integração econômica na região para os Estados Unidos, bem como frear o avanço geoeconômico chinês na região do Sul da Ásia. Em apenas uma assinatura, Trump conseguiu obliterar o Tratado que era dito como o primeiro e mais importante “mega-acordo” regional, que trazia dúvidas sobre a atual relevância da Organização Mundial do Comércio[1], os modelos de integração vigentes e de consolidação do eixo Pacífico como motor da economia global.

 

Com a saída dos EUA do acordo, não demorou muito para que países que ensejavam o acesso ao mercado norte-americano logo saíssem, como foi o caso do Chile. Não apenas em relação ao TPP o presidente se manifestou, mas também aos tratados bilaterais e multilaterais que os EUA mantêm com o mundo, em busca de reverter os déficits na balança de pagamentos, bem como ampliar medidas protecionistas que incentivem as empresas estadunidenses a repatriar a parte de seu capital que se encontra globalizado. O que aparenta é que a “América Grande Novamente” será realizada a parte de seu maior isolamento e barreiras.

 

E que melhor barreira que um muro? No meio do turbilhão generalizado que o presidente se vê causando, lançou-se a proposta de renegociar o NAFTA, conjuntamente com a construção do famigerado muro na fronteira com o México. Para os mais atentos, o anúncio de construção do muro, bem como uma taxação especial para os produtos “hecho en México”, não são nenhuma novidade. Repetidas vezes durante sua campanha como presidenciável e em sua visita ao México, Trump afirmou que o faria. Entretanto, não era esperado que o fizesse de modo tão brusco.

 

Para o México, essa medida representa a queda de um projeto de nação iniciado a partir dos anos 1990, que criava um país exportador e pautado pelo livre-comércio, o que o tornou extremamente dependente de seu principal cliente. Ainda que mantenha mais de quarenta acordos comerciais ao redor do mundo, mais de 80% das exportações mexicanas são destinadas aos Estados Unidos e cujos produtos são, em grande parte, de empresas estadunidenses. Além do claro problema econômico, o abalo se estende ainda para o lado político, tendo Trump e Peña Nieto cancelado a primeira reunião dos dois como chefes-de-estado.

 

A delicada situação mexicana ainda se mantém incerta pois muitas das empresas detêm capital em seu solo e o país ainda goza de baixos custos de produção e as mesmas pressionam contra o aumento dos impostos para importação advindas do país latino-americano. Nem mesmo entre os republicanos tal resolução detém unanimidade, principalmente pelo valor de 20% sobre a importação que Trump deseja, podendo ser reduzido a partir da apresentação de seus planos para os legisladores norte-americanos. Se o México se mantem no ponto mais alto de preocupação, a situação para o Canadá é de menor turbulência. Segundo Stephen Schwarzman, diretor do Fórum Político e Estratégico de Trump, o Canadá não deve se preocupar com as políticas do presidente, que as renegociações do NAFTA pouco afetarão ao vizinho e que o governo estadunidense manterá as boas relações com o seu vizinho no lado norte da fronteira. Ou seja, enquanto o bater de asas não se virar para o Norte, o Canadá ainda manterá suas garantias.

 

Entretanto, mesmo na tormenta, ainda há quem saiba encarar o caos como possibilidades. Como grande potência, a China já se empenhou em mobilizar-se para ocupar certos espaços em que os Estados Unidos estão deixando vagos. Exemplo disso é a fala de Xi Jinping em Davos em janeiro de 2017, prezando pelo livre-comércio e aumento comercial entre as nações. Chile e Peru já anunciaram que a China pode ser uma alternativa ao TPP. Para além do Dragão da Ásia, a Alemanha se manifestou nesta semana favorável a um apoio maior à continuidade e expansão do livre-comércio global, enquanto de um período de maior isolacionismo comercial norte-americano. As oportunidades surgem quando um mercado tão largo como o dos EUA começa a se fechar em protecionismo e os de outras potências oferecem demanda aos países do Sul para os seus produtos.

 

O período, sem dúvidas, nos traz muitas incertezas. Como afirmado na introdução, os movimentos realizados pelos Estados Unidos têm efeito drástico no mundo todo. Uma reorganização de sua trajetória globalizada e de afastamento do mesmo de instituições e acordos regionais e globais criam um alerta de perigo em todos os cantos. Mesmo que a China ou a Alemanha busquem ocupar certos espaços, falta a claridade se terão como absorver os déficits que apenas o país com a moeda do sistema pode arcar. A esperança pode surgir que acordos inter-regionais ganhem mais relevância e aceleração em suas negociações, tendo em vista a necessidade de remodelamento. Um possível retrocesso no NAFTA significará também um desafio para a análise dos blocos regionais, sobre que movimentos e atores levam a uma falência abruta de um sistema tão duradouro. Ainda temos de esperar para encontrar as respostas que são ofuscadas perante o caos.

 

Nota:

[1] O TPP aplicava cláusulas de patentes, trabalho e serviços que ainda não haviam total acordo e implementação na OMC, sendo considerado um modelo de evasão de alguns países do sistema multilateral para a negociação de clube de “ a fins”. (voltar para o texto)

PARA MAIS INFORMAÇÕES (REFERÊNCIAS)

CNN - Trump floats 20% tax on Mexican imports to pay for wall, but considering other options

Macleans - Canada remains on Donald Trump’s nice list—for now

 

G1 – Presidente da China defende globalização e o livre comércio

Folha – Após saída dos EUA, países do TPP querem incluir China no acordo

TSF - China e Alemanha unem-se contra Trump

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