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ARTIGOS

A necessidade e a desilusão: Notas sobre a visita de Donald Trump ao México e o debate eleitoral estadunidense.
Roberto Teles

Foto- Fonte: SFGATE

Em texto anterior no Observatório de Regionalismo, analisamos a ascensão da campanha Trump para as eleições para a presidência dos Estados Unidos em 2016 e como os seus discursos de campanha afetaram preocupantemente as relações entre os EUA e o seu maior parceiro comercial das Américas, o México. Como apontamos no texto anterior, havia uma necessidade mútua de conversão e aproximação das duas partes, notoriamente a partir da alavancada de intenções de votos que o candidato republicano recebeu e a temeridade dos agentes econômicos sobre o futuro das relações entre esses dois países.

A suavização do discurso de Trump sobre o México foi muito sutil e sem muita substancialidade. De fato, a mudança veio destinada ao público latino e com ênfase no país vizinho, como postado em sua página do Facebook comendo Tacos e declarando afeições ao povo hispânico em celebração ao Cinco de Mayo [1], data comemorativa dos mexicanos. Apesar dessa tentativa de aproximação com o público latino-americano, a campanha Trump não modificou seu tom com duas questões centrais, de importante atenção para os governantes mexicanos: o muro entre os dois países e as críticas e ameaças ao NAFTA.

Tal como apresentamos anteriormente, os votantes médios de Donald Trump para presidência veem os imigrantes como ameaças ao emprego (no caso dos latinos) e à segurança nacional (no caso dos de religião islâmica), além de crerem que acordos de livre-comércio amplos como o NAFTA e o Tratado Trans-Pacífico transfere as fábricas para outras zonas de produção no mundo, limitando o acesso ao emprego nos Estados Unidos. Esse discurso reapareceu ontem (26 de setembro) durante o debate presidencial estadunidense, mantendo a justificativa de que o México era o maior beneficiado pelo NAFTA [2], bem como os Estados Unidos perdiam empregos e fábricas para o vizinho, reforçando a estratégia de declarar a mobilidade de capital e os acordos de livre-comércio como vilões da falta de emprego norte-americana. Ressaltar os pontos fortes da campanha na reta final tem sido recorrente do candidato republicano.  

A percepção mexicana para uma aproximação e necessidade de conversar com tal candidato demonstra a vulnerabilidade que um país dependente tem em relação a um parceiro de proporções assimétricas. Em junho, quando analisamos tais relações em crescente desavença, evidenciamos a troca pública de críticas entre governantes e ex-governantes mexicanos com Donald Trump, em especial a declaração do presidente do México, Enrique Peña Nieto, destacando com sua preocupação com a ignorância do candidato sobre o seu povo e seu repúdio à proposta do muro. Entretanto, esse rechaço público mudou junto com o caminhar da surpreendente aceitação popular das propostas de Trump. O caminhar para uma possível presidência Trump em 2017 forçou o Estado mexicano a aliviar seu posicionamento perante o candidato, culminando em uma oferta de visita ao México para uma conversação sobre prováveis futuros rumos da relação bilateral entre os países.

E, como resultado, a desilusão e duras consequências vieram. Trump aceitou o convite e permaneceu aproximadamente uma hora com o mandatário mexicano. Logo após sair da reunião, o candidato estadunidense manteve seu discurso: o México iria pagar 100% do muro. Mesmo com uma declaração mais amistosa ao público mexicano em uma entrevista coletiva horas depois da reunião, Trump permaneceu rígido às questões fronteiriças em discurso eleitoral proferido no Arizona após sua visita ao México. Como saldo imediato, Peña Nieto saiu perdedor mesmo jogando em casa.

A repercussão da visita ainda reverberou nas semanas seguintes com duras perdas e críticas ao atual governo mexicano. Apontado como um dos promotores da reunião entre Trump e Peña Nieto, o ministro da Economia do México, Luis Videgaray, afasta-se de seu cargo após sofrer críticas pela manobra, apontada como uma decisão para acalmar investidores estrangeiros sobre uma possível vitória de Trump na presidência. Além da queda de um de seus principais nomes no quadro político, Nieto foi alvo de protestos e apontado em pesquisa como o presidente Mexicano mais impopular do século XXI. Cerca de 10.000 pessoas protestaram contra sua permanência no cargo de presidente, cujas reclamações seriam as recentes reformas no setor de educação, inabilidade para conter a violência e o crime organizado bem como se reunir com o candidato que tece comentários impróprios contra seu próprio povo.

Com um cenário interno desfavorável e uma possível vitória do candidato que buscará fechar as fronteiras, sobram poucos artifícios políticos para Peña Nieto. A tentativa de negociar com Trump é a de adiantar-se perante um cenário cada vez mais tortuoso nas relações EUA-México, no qual o presidente teve de se mobilizar para diminuir os impactos. Ao se tratar do país que é receptor de mais de 80% de suas exportações, qualquer movimento para manter a parceria preferencial é necessária, ainda mais contando com as consequências que se podem ter com o fechamento desse canal de comércio, ainda mais com um candidato abertamente favorável, e com lastro eleitoral, para cessar os tratados entre os países.

A problemática para o governante mexicano vem justamente dos públicos internos dos dois países. Do lado estadunidense, Trump seguirá proferindo que suas promessas de campanha lhe deram tal popularidade e intenções de voto, o que demonstra que uma grande parcela da população também tem duras críticas ao modelo econômico delineado pelo NAFTA, além de uma carga de preconceitos ao povo mexicano. Do lado sul da fronteira do Rio Grande, Peña Nieto se defronta com crises sociais e econômicas aprofundadas em sua gestão, o que dificulta uma reeleição de seu partido no gabinete presidencial, além da forte rejeição ao diálogo com o candidato estadunidense. A capacidade endógena do México resistir ou de criar alternativas é restrita, dada a sua dependência com o vizinho do Norte e a limitação econômica de seu Estado. As possibilidades para uma efetiva diminuição de danos, portanto, apoiam-se em fatores exógenos a sua decisão e aos anseios do destino: uma perda de Trump nas eleições ou um cerceamento de suas ações por meio do Congresso, que garantam a manutenção das relações econômicas entre EUA-México nos moldes atuais.

NOTAS:

1) A postagem repercutiu de maneira relativamente negativa nas redes sociais, com acusações de reforçar estereótipos da cultura mexicana, de demonstrar ignorância sobre a diversidade cultural e nacional dos povos hispânicos latino-americanos e de promover um prato de uma de sua própria rede de hotéis à custa das tradições que critica. Disponível em: http://www.nytimes.com/politics/first-draft/2016/05/05/donald-trump-taco-bowl/?_r=0 (voltar)

2) Em 2015 o comércio EUA-México apresentou relativo superávit no país latino-americano de aproximadamente U$ 58 bilhões, diante de um total comercializado de aproximadamente U$ 583 bilhões. Disponível em: https://ustr.gov/countries-regions/americas/mexico. (voltar)

PARA MAIS INFORMAÇÃO (REFERÊNCIAS)

ODR. http://deregionalismo.wixsite.com/observatorio/06dejunho-trump-mexico.

NYTIMES. http://www.nytimes.com/politics/first-draft/2016/05/05/donald-trump-taco-bowl/?_r=0

USTR. https://ustr.gov/countries-regions/americas/mexico

O GLOBO. http://oglobo.globo.com/mundo/visita-polemica-de-trump-causa-demissao-de-ministro-no-mexico-20071504

RTP. http://www.rtp.pt/noticias/mundo/milhares-de-mexicanos-pedem-demissao-do-presidente-enrique-pena-nieto_n947593

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